Horário de Brasília

domingo, agosto 06, 2006

CRÔNICA - Retrato em Preto e Branco

Por Patrícia Leite
Se não sou preto, sou branco! A coisa não é bem assim. Tem o amarelo, o pardo, o castanho, o castanho? Bem, na verdade num país como o Brasil entre o preto e o branco há uma imensa paleta de cores.

Conversando, esta semana, na redação, com uma amiga de trabalho - que estava uma fera depois de ler mais uma medida do governo para solucionar os abismos sociais - resolvi me debruçar sobre o assunto em questão. Ela, branca, descendente de alemães, nada na árvore genealógica que lhe desse qualquer alento. Ela não é negra, se quer mestiça. Branca! Uma puríssima branca! Com respeito ou sem faltar a ele e a todos os estudos antropológicos, sociais e etc.
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Estamos vivendo a era dos “programetes” de inclusão. Vale gás, bolsa escola, cota para negros na universidade, distribuição de lotes, vale leite, e toda sorte de benefícios que se possa ser pensado para ajudar as famílias de baixa renda. Mas quem são os “baixa renda”? E é exatamente este questionamento que ficou ecoando por toda a redação. Atenta a seu inflamado discurso, notei que a amiga em questão está, verdadeiramente, indignada. Baixa renda sou eu, excluída sou eu, ataca ela.

De dedo em riste ela me contou, quase em tom de ameaça, que está disposta a promover um movimento social em favor de um projeto de inclusão para brancos. Fiquei chocada! Ela quase me bateu por isso. Falou que eu me colocava contra seus argumentos porque eu gozava dos favorecimentos de ser uma mestiça. Começou a fazer quadros comparativos, com dados estatísticos, numa tentativa alucinada de provar que a exclusão que existe hoje no Brasil é a dos brancos. Com uma fúria, quase selvagem, ela afirma que a raça que mais sofre, com certeza, é a branca. Disparou dizendo que ganhava o piso da categoria de jornalistas (R$ 1.666,45) e enumerou os gastos do mês. Paga R$870,00 de faculdade para o filho, R$ 33, 00 num botijão de gás, R$ 42,00 de leite, uma prestação de R$490, 00 durante cinco anos, para a compra do lote que sonha construir um dia e fugir do aluguel. Ah! O aluguel R$400,00 numa kitinete. Não sei se vocês repararam, mas ela já estourou o orçamento. Um “free lancer” aqui, outro ali, ela tenta organizar as contas.

Mas, a coisa não para por aí, o pior é a cara dos coleguinhas de trabalho quando ela diz que é impossível contribuir com a cesta básica do motorista, da copeira e da faxineira . “Ainda tenho que ouvir piadinhas de que sou mesquinha. Mesquinhos são eles que não olham nada além de seus próprios umbigos”. A proposta é de nivelar a todos. Algo do tipo dar a isca e o anzol. Pescar é por sua conta! Na verdade, é ano de eleições e é o voto que define o que estar por vir. Chega de tanto paternalismo! O que deve ser pensado e proposto pelos nossos representantes é uma política de geração de empregos e não uma política de esmolas. Brasil um país de mendigos? Não é esta a imagem que desejo ao meu país, mas este é o retrato do Brasil. Um retrato em preto e branco. Mais preto do que branco!

1 Comments:

  • Amei a crônica. Faz a gente pensar.
    No fim das contas somos todos iguais porque não administrarmos melhor as diferenças?
    Só um toque o botijão de gás deve estar com um zero a mais.

    By Anonymous Anônimo, at domingo, 06 agosto, 2006  

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